‘De uma coisa já se pode ter certeza neste momento tão marcado pelas dúvidas e pela angústia: passada ou amenizada a pandemia da covid-19, o mundo não será mais aquele que conhecemos até recentemente’, Luiz Carlos Trabuco – presidente do Conselho do Bradesco
LOW-TOUCH E NOVO NORMAL
A pandemia abriu uma ‘caixa de Pandora’ e o mundo não será mais como antes. Viveremos a era do ‘novo normal’, passando por uma fase de transição, nos próximos meses: a ‘economia de baixo toque – low-toucheconomy’, caracterizada por interações de baixo toque físico, medidas que preservam a saúde das pessoas e adaptações a esta realidade por parte das empresas.
Verificamos que este período de quarentena proporcionou a aceleração forçada de mudanças que já vinham ocorrendo. Alguns exemplos:
- explosão da digitalização na comunicação e comercialização entre empresas e consumidores
- crescimento exponencial do trabalho em casa e das interações digitais com clientes, fornecedores, colegas de trabalho e outras partes interessadas
- crescimento de consultas médicas remotas, cursos online
- readequação de prestadores de serviço para a logística de delivery
- pagamento sem contato
- darkkitchens – cozinhas compartilhadas entre vários restaurantes para entrega online
Muitas das propostas, hábitos e comportamentos reforçados durante a pandemia não retrocederão aos patamares anteriores, e provocarão um rearranjo significativo no uso da tecnologia, nas relações de trabalho, nas formas de consumir, de adquirir conhecimento, e nas interações sociais.
O que está se chamando de ‘novo normal’ traz às empresas a oportunidade e a necessidade de repensar e ajustar os seus modelos de negócio, bem como os seus processos e estruturas organizacionais.
Entre os desafios do período de transição ‘baixo toque’ e na fase ‘novo normal’, temos 2 componentes fundamentais:
- a gestão do curto prazo, que para algumas empresas, significa lutar para assegurar a sua sobrevivência
- o processo de adequação ou reinvenção para garantir a sustentabilidade do negócio no futuro
CURTO PRAZO – O DESAFIO DE SOBREVIVER À CRISE
Os próximos meses serão nebulosos e desafiadores:
- é possível que ocorram ondas de confinamento e relaxamento para administrar a capacidade dos hospitais de fazer frente à demanda por atendimento
- a queda do PIB será inédita, emprego e renda sofrerão um forte baque, os níveis de incerteza e aversão ao risco aumentarão, e a demanda encolherá
- incertezas quanto à duração da fase ‘baixo toque’, e a forma como ela afetará os diferentes negócios
Não sabemos exatamente como será o processo de retomada, que diferirá em função da região e do tipo de atividade envolvida, mas para muitas empresas, o enorme desafio no curto prazo é garantir a sobrevivência. É necessário atuar imediatamente para:
- operar no modelo ‘baixo toque – lowtouch’
- focar nas vendas e conquistar market-share – a luta será feroz em muitos segmentos, com concorrentes ávidos tendo que dividir um bolo menor
- realizar ajustes finos na segmentação de mercado e revisar as propostas de valor para cada segmento
- adequar a estrutura e os custos à nova realidade
- garantir o caixa para sustentar as operações
Manter o barco flutuando será o foco dos próximos meses, mas é imprescindível também refletir em como preparar a empresa para enfrentar os desafios do futuro em ambientes com o grau de incerteza e volatilidade que teremos pela frente.
PLANEJANDO O FUTURO – READEQUAÇÃO OU REINVENÇÃO?
‘O perigoso é não evoluir’, Jeff Bezos, CEO da Amazon
O futuro começa hoje e é necessário planejá-lo, com uma nova abordagem que carregue na sua essência a agilidade para antecipar, reagir e adaptar-se às mudanças cada vez mais dinâmicas e profundas.
Como preparar a organização para o desenvolvimento e sustentabilidade empresarial em contexto tão volátil no âmbito da tecnologia, da revolução digital e inteligência artificial, de novos padrões sociais e de consumo, da emergência de novas gerações, de novas normativas relativas à sustentabilidade ambiental, etc ?
Vejamos a seguir como planejar de acordo com a nova realidade que desponta, quais os benefícios e que condições internas devem ser criadas para que isso ocorra.
Planejamento tradicional x planejamento ágil
O modelo tradicional de planejamento, também conhecido como planejamento preditivo considera que a organização tem a capacidade de analisar o futuro e prever o que vai acontecer nos próximos anos com razoável assertividade e precisão, sendo que as mudanças no ambiente externo impactam nos resultados previstos e provocam a revisão do plano. Esse tem sido o modelo aplicado com bons resultados em milhares de empresas ao longo de décadas.
No entanto, face ao dinamismo, intensidade e profundidade das mudanças no ambiente externo, há que se evoluir na forma de se planejar o futuro.
O fator chave do novo planejamento não está na capacidade de prever o que vai acontecer dentro de vários anos, mas antecipar, aprender e adaptar-se rapidamente às mudanças, de forma dinâmica e contínua.
Muitas organizações passaram a adotar, com sucesso, o planejamento ágil, também chamado de planejamento interativo, mais adaptado a ambientes incertos e voláteis.
Em suma, a organização é moldada para capturar informações sobre o ambiente externo o tempo todo, processá-las, interpretá-las, tomar decisões de forma ágil e agir rapidamente, colocando e mantendo a empresa em vantagem comparativa no mercado.
A abordagem ágil impacta em diferentes áreas: produtos e serviços, estrutura organizacional, processos internos, governança, custos e também proporciona revisões do modelo de negócios da empresa.
Os benefícios para a empresa ao adotar o modelo interativo são diferenciados:
- antecipação ou reação rápida
- adaptabilidade ao ambiente volátil
- capacidade de redesenhar novas propostas de valor em menor tempo
- prospecção permanente de oportunidades de futuro
- disseminação de conhecimento dentro da organização
- ‘time tomarket’ mais curto
- engajamento dos colaboradores
- desenvolvimento de intra-empreendedorismo
Organização e cultura
Vamos considerar 5 fatores-chave que devem estar presentes para que a implementação do planejamento interativo seja possível:
- gestão da informação: informação é a matéria prima que permitirá entender como o mundo está mudando, e as oportunidades e perigos que apresenta para que a empresa melhore e evolua, considerando os seus impactos no curto, médio e longo prazo. Deve ser buscada e tratada de forma sistemática e permanente.
- processos e ferramentas: as formas de coletar os dados, as ferramentas em que serão armazenados, a maneira como serão analisados e transformados em informações, os fluxos que levam às tomadas de decisão.
- contribuição dos talentos: colaboradores da organização, preparados, capacitados e interconectados, ajudam a capturar informações, a compreender as oportunidades e ameaças, analisam e geram ideias inovadoras. São também sensores da organização, ‘conectados’ a diversas áreas de interesse do ambiente externo.
- testes: ideias novas e boas soluções em produtos e serviços são frequentemente testadas, ajustadas e validadas em pequena escala, antes de serem lançadas no mercado. Esta abordagem permite reduzir o tempo entre o aparecimento da ideia e o seu teste de adequação (time-to-marketvs time-to-test), aumenta a chance de sucesso no momento do lançamento em larga escala, e, em caso de abandono do projeto na fase de testes, minimiza os custos incorridos pela empresa.
- cultura participativa e flexibilidade: são fatores determinantes. A liderança da organização deve proporcionar um ambiente propício e estruturado, com a governança apropriada, que incentive o surgimento de novas ideias, trocas permanentes de informações, conhecimento e feedbacks entre os colaboradores envolvidos, para que o processo interativo aconteça e dê resultados.
A participação ativa dos colaboradores é parte integrante do processo, provoca apropriação e engajamento, facilita a retenção de talentos e libera energia intraempreendedora, muitas vezes escondida dentro da organização.
A criação dessa cultura e dos meios para que ela permeie os diversos níveis da organização é um dos mais interessantes desafios das lideranças nos dias atuais.
O ‘novo normal’ representa um desafio, e uma enorme oportunidade de criar diferenciais comparativos, se as empresas se prepararam para ele.
E a sua empresa, como está se preparando para essa ‘nova normalidade’?
Sergio Paiva – Diretor da Ilummini Planejamento Estratégico e Gestão